Diante dos desafios globais relacionados às mudanças climáticas, à escassez de combustíveis fósseis e à crescente demanda por soluções energéticas sustentáveis, o biodiesel emerge como uma alternativa estratégica.
Derivado de fontes renováveis como óleos vegetais e gorduras animais, o biodiesel é um biocombustível que se destaca não apenas por sua origem, mas também pelos seus impactos positivos ao meio ambiente. Por ser biodegradável, renovável e emitir significativamente menos poluentes atmosféricos em comparação ao diesel fóssil, ele contribui diretamente para a redução da pegada de carbono no setor de transportes e indústria.
Enquanto os óleos vegetais – considerados matérias-primas de primeira geração – exigem pré-refino rigoroso para redução de ácidos graxos livres e umidade (o que eleva os custos operacionais e gera efluentes indesejados), a adoção de matérias-primas de segunda geração, oriundas de resíduos agroindustriais, surge como uma alternativa mais econômica e ambientalmente amigável. No trabalho da Dra. Munique Gonçalves Guimarães, pela Universidade de Brasília, o caroço do pequi (resíduo sem aplicação industrial e coletado em escala significativa) mostrou resultados que evidenciam o potencial de produzir biodiesel a partir dessas biomassas de segunda geração.
Com base em sua monografia, a autora destaca, no entanto, uma dificuldade técnica no manejo deste resíduo: a manipulação torna-se difícil durante o processo de trituração do caroço, devido à presença de espinhos e ao fato de se tratar de uma matéria-prima sólida. O óleo é extraído com textura de manteiga, sendo necessária uma etapa adicional de derretimento antes do início da reação. Apesar desse desafio, o caroço mostrou elevado teor de ácidos graxos insaturados (92,29%) e converteu-se em biodiesel em até 91% via esterificação ácida convencional. Ou seja, mesmo com as dificuldades dos resíduos agroindustriais, é possível produzir o biocombustível de forma efetiva.
A partir disso, através do uso de matérias-primas de segunda geração, pode surgir o estigma a respeito da qualidade do produto final. Entretanto, Munique explica que a qualidade do produto não pode se dizer afetada, uma vez que deve seguir as diretrizes da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Com a qualidade certificada, o biodiesel final deve atender às especificações exigidas, independentemente de sua matéria-prima base. Contudo, o que poderá alterar de alguma forma o produto final, nesse caso, será a quantidade de óleo que será fornecida para o processo, que depende das características da matéria-prima. O que influencia nessa questão, é a qualidade do solo em que esse fruto foi plantado, o clima que afetou o crescimento e o momento da colheita. De forma geral, as condições climáticas é o que afeta a matéria-prima.
Tendo em vista o uso dessas matérias-primas de segunda geração, dentre as principais motivações para o uso de resíduos na produção de biodiesel, está a redução de custos e o aproveitamento de subprodutos que seriam descartados. No projeto desenvolvido pela pesquisadora, o caroço de pequi, que é uma biomassa abundante e usualmente desperdiçada na região do Cerrado, foi escolhido como matéria-prima alternativa em função do seu baixo custo e alta disponibilidade.
No Brasil, a produção atingiu marco histórico em 2023, juntos, etanol e biodiesel somaram quase 43 bilhões de litros produzidos, alcançando recorde histórico e reforçando a posição de liderança do Brasil no cenário global. Muito do incentivo à produção de biodiesel vem do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), cujo objetivo é a inserção do biodiesel na matriz energética brasileira a partir da produção de matérias-primas pela agricultura familiar.
Por meio da entrevista concedida ao capítulo AIChE Brasília, Munique ressalta esse papel de vanguarda do Brasil na produção geral de biodiesel, apontando que a cada ano cresce a aplicação de biocombustível e que com o surgimento de diversas fontes de biomassa, as universidades têm buscado como transformar essas matérias‑primas em uma produção mais sustentável. Segundo ela, o Brasil ainda tem muito no que avançar, diversas pesquisas nessa área ainda estão abertas para serem patenteadas, ou seja, ainda é uma área muito aberta à inovação e aplicação industrial.
A relevância do biodiesel também se reflete na sua capacidade de substituir parcial ou totalmente o diesel mineral em motores de ignição por compressão, sem a necessidade de grandes modificações. Além disso, por ser isento de compostos como o enxofre, sua queima resulta em menores emissões de SO₂ — um dos principais responsáveis pela chuva ácida.
Mas como esse biocombustível é produzido?
A resposta está em uma reação química chamada transesterificação, um processo no qual triglicerídeos presentes nas matérias-primas reagem com um álcool (geralmente metanol ou etanol) na presença de um catalisador, resultando em dois produtos principais: ésteres de ácidos graxos (o biodiesel) e glicerina.
Essa reação, naturalmente lenta, é intensificada pelo uso de catalisadores, que reduzem a energia de ativação e aumentam a taxa de conversão, tornando a produção do biodiesel mais técnica e economicamente viável. A escolha do catalisador é, portanto, um ponto-chave: catalisadores homogêneos (geralmente alcalinos) são comuns na indústria pela sua eficiência, mas trazem desafios como a geração de subprodutos indesejados e a dificuldade de recuperação (o catalisador permanece dissolvido no meio reacional, devendo ser removido logo após a síntese). Já os catalisadores heterogêneos, especialmente os desenvolvidos com suportes como carvão ativado, vêm ganhando destaque por oferecerem vantagens como reutilização, menor impacto ambiental e facilidade de separação.
Na monografia supracitada, a autora descreve um esquema em que as operações de extração e esterificação são integradas por meio de catalisadores heterogêneos, especificamente resinas protônicas. Nesse sistema, o catalisador é adicionado ao solvente de extração, permitindo a recuperação simples tanto do catalisador como do produto final, ou seja, será possível recolher e reutilizar os catalisadores heterogêneos. Segundo Guimarães, em sua metodologia é possível reutilizar a mesma resina em até três ciclos, tornando o processo ainda mais sustentável quando comparado ao tradicional (uso de catalisadores homogêneos).
Mesmo com as pesquisas e políticas públicas o biodiesel ainda não consegue competir com o diesel mineral. Com isso, a Engenharia Química assume o papel de construir processos para mitigar o custo da produção, buscando tornar este biocombustível mais competitivo no mercado nacional e internacional.
Autoria: Janaína Cecilio, João Marcos Amaral, Rhauender Mota e Rodrigo Sousa, integrantes da Equipe EnsinEQ do AIChE Brasília.
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Referências
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