Engenharia Química na Produção de Biofármacos – Como processos químicos e biotecnológicos são usados na produção de vacinas e anticorpos

Biofármacos são medicamentos produzidos por meio de processos biotecnológicos, a partir de organismos vivos ou de seus produtos, utilizados para tratar, prevenir ou curar doenças. Eles incluem uma variedade de produtos, como anticorpos monoclonais, hormônios e proteínas terapêuticas, cuja eficácia está relacionada à sua especificidade e capacidade de interagir com alvos biológicos de maneira precisa. Esses medicamentos desempenham um papel crucial na medicina moderna. Eles são essenciais no tratamento de doenças complexas, como câncer, doenças autoimunes e infecções virais, devido à alta especificidade e eficácia de seus mecanismos de ação. E em relação a terapias convencionais, como a quimioterapia, os biofármacos costumam ter menos efeitos adversos, o que melhora a qualidade de vida dos pacientes. Outro aspecto importante é a sua contribuição para o progresso da terapia personalizada, possibilitando tratamentos ajustados às particularidades de cada paciente e potencializando a efetividade do tratamento

Figura 1: Foto de biofármacos

 

A principal diferença entre fármacos e biofármacos está na complexidade de sua estrutura química. Enquanto a maioria dos medicamentos convencionais consiste em moléculas pequenas, com estruturas químicas bem definidas e simples, como analgésicos e antibióticos, que podem ser facilmente produzidos e sintetizados, os biofármacos são moléculas grandes e complexas, frequentemente parecidas com proteínas, com milhares de átomos. Essa complexidade resulta em desafios maiores tanto na produção quanto na manipulação e no armazenamento dessas substâncias.

Os engenheiros químicos desempenham um papel fundamental na produção de biofármacos, atuando em diversas etapas do processo. Eles são responsáveis pelo desenvolvimento e otimização dos processos industriais para a produção dessas substâncias, incluindo o cultivo de células produtoras e a purificação das moléculas biofarmacêuticas. Além disso, garantem a segurança e eficácia dos biofármacos por meio da implementação de práticas rigorosas de controle de qualidade. Também desempenham um papel essencial na integração de novas tecnologias, como engenharia genética e bioprocessos, para melhorar a eficiência e a viabilidade econômica da produção. Dessa forma, a atuação dos engenheiros químicos é vital não apenas para a fabricação, mas também para garantir a acessibilidade e a sustentabilidade dos biofármacos no sistema de saúde.

 

Engenharia Química e Biofármacos 

Nos últimos anos a Engenharia Química tem apresentado um papel de extrema importância dentro da Biotecnologia, com diversas propostas para o desenvolvimento de processos sustentáveis e inovadores. Especificamente por meio da aplicação de microrganismos, enzimas e reações químicas, além disso, é possível a otimização para produção de biocombustíveis, fármacos, diversos alimentos, etc. Estas aplicações fazem com que diminua a limitação às matérias-primas tradicionais e também os impactos ambientais que as mesmas causam. A história da biotecnologia se iniciou há milhares de anos, com uso da fermentação em diversos métodos industriais, sendo esta uma maneira de bioprocessamento. Esta técnica tem como objetivo a fabricação de produtos usando células vivas, como leveduras e bactérias ou componentes moleculares de seus mecanismos de produção, como as enzimas e proteínas que catalisam as reações bioquímicas. Dentre as diversas aplicações que a biotecnologia pode proporcionar a Engenharia Química, algumas delas são: Aplicação de processos biológicos na adoçação de gases, tratamento biológico do solo e da água e biocombustíveis.

A aplicação de processos biológicos na adoçação de gases consiste em um processo de remoção de compostos indesejáveis e até mesmo ácidos encontrados no gás natural ou em outros fluxos de gás industrial. Este método ocorre especialmente em gases como o sulfeto de hidrogênio (H2S) e o dióxido de carbono (CO2). O procedimento acontece em temperatura e pressão ambiente, logo, a utilização da energia diminui, isso é um ponto que sinaliza fortemente a redução de custos no processo. Os processos biológicos de adoçação de gases em si utilizam bactérias específicas que são capazes de oxidar ou transformar estes compostos tóxicos em substâncias menos nocivas, como enxofre elementar ou sulfato. Além disso, existem dois tipos principais de processos: Processos de tratamento biológico indireto e processos de tratamento biológico direto. No método indireto, o gás com devidas contaminações passa por uma etapa química, onde o  sulfeto de hidrogênio (H2S) é transformado em enxofre (S) com ajuda de um catalisador, portanto, o catalisador é regenerado por microrganismos e bactérias (como as do gênero Thiobacillus Ferroxidan) em uma segunda etapa. As vantagens do processo direto são o menor consumo de energia, processo seguro e mais custo-benefício. Nos processos biológicos diretos, o próprio sulfeto de hidrogênio (H2S) é oxidado pela bactéria (Thiobacillus Ferroxidan) e utilizado como fonte de energia.

Para remediar o fato de poluição de solos, sedimentos e águas superficiais e subterrâneas, os procedimentos envolvendo tratamento biológico de certa forma aceleram a decomposição natural de compostos químicos, desta maneira, ofertam os nutrientes necessários para as bactérias, visto que os mesmas serão responsáveis na redução e desintoxicação dos contaminantes, visto que, a base do processo biológico se resume a utilização de hidrocarbonetos como fonte de carbono e energia, já que este é um método comum no caso de poluição de hidrocarbonetos. Para o tratamento biológico de água, existem bactérias que usam desta mesma fonte de energia para recolher e retirar matérias orgânicas da água, e isso pode ser realizado de duas formas, aerobicamente e anaerobicamente. Pela metodologia aeróbica, não há a utilização de oxigênio, neste mecanismo a água a ser tratada é posta em um tanque onde a matéria orgânica é oxidada em outros compostos, como dióxido de carbono, nitrato e fosfato pelas bactérias aeróbicas presentes. Por outro lado, o tratamento anaeróbico converte compostos orgânicos em biogás em uma série de etapas onde as bactérias acidógenas hidrolíticas convertem polímeros em ácidos graxos de cadeia curta. Acetógenos sintróficos convertem ácidos graxos em acetatos de hidrogênio e por último, as bactérias matenogênicas convertem acetato e hidrogênio, metano e dióxido de carbono, ou seja, biogás.

A produção de biocombustíveis, apresentando uma das principais ideias de aplicações da biotecnologia, oferece caminhos e direções sustentáveis por meio do uso de matérias-primas renováveis, para a geração de combustíveis como etanol e biodiesel. Esses combustíveis são considerados mais ecologicamente corretos, pois de certa maneira liberam menos gases de efeito estufa.

Outra grande aplicação envolvendo biotecnologia são os biofármacos, mais particularmente anticorpos monoclonais, que vêm tendo crescente utilização para determinadas doenças, como câncer e mal de Alzheimer. Os anticorpos são um tipo de proteína, reconhecidos também por imunoglobulinas, que tem atuação específica para cada tipo de vírus, bactérias ou células tumorais. Ao contrário dos anticorpos policlonais, que são produzidos em animais vivos, os anticorpos monoclonais são gerados usando técnicas e métodos de cultura de tecidos. As principais vantagem dos anticorpos monoclonais são o reconhecimento altamente específico de um único epítopo de um antígeno; as linhas de células de hibridoma têm a capacidade de produzir quantidades ilimitadas de anticorpos, já as desvantagens são interligadas ao tempo de processo e ao altíssimo custo, quando requer habilidades técnicas especiais para realizar os procedimentos. Desta maneira, a principal diferença entre as vacinas e os anticorpos monoclonais é o fato de que as vacinas estimulam o próprio sistema imunológico a produzir anticorpos para combater e atacar o vírus real, os anticorpos monoclonais são proteínas já projetadas para combater esses invasores (vírus) pelo sistema imunológico, além de agirem de forma rápida e direta para neutralizar o vírus, não dependem do sistema imune do indivíduo para serem produzidos.

Figura 2: Diferença de atuação entre anticorpos policlonais e monoclonais

 

Processos Químicos na Industria de Biofármacos  

A produção de biofármacos envolve processos químicos complexos, abrangendo desde a síntese de compostos biológicos até sua purificação, com o objetivo de garantir um produto final de alta qualidade e viabilidade econômica. Esse processo inclui modificações químicas críticas das biomoléculas, além do emprego de técnicas avançadas de separação, como cromatografia, filtração e precipitação.

A síntese de biofármacos ocorre geralmente por meio de processos biotecnológicos, utilizando organismos geneticamente modificados, como bactérias e células de mamíferos, para produzir proteínas terapêuticas. No entanto, após a síntese, os produtos estão misturados a várias impurezas, incluindo proteínas hospedeiras, endotoxinas e metabólitos secundários.

Dado que a purificação pode representar até 80% dos custos de produção de biofármacos, é fundamental adotar estratégias eficientes para reduzir o número de etapas e aumentar o rendimento final. A cromatografia em contracorrente (CCC) é uma das técnicas mais promissoras para purificação, pois elimina perdas por adsorção e permite elevadas taxas de recuperação do produto.

A modificação de biomoléculas é um passo essencial na otimização de biofármacos, garantindo maior estabilidade, meia-vida prolongada e menor imunogenicidade. Um exemplo comum é a PEGuilação, um processo químico que envolve a ligação covalente de polietilenoglicol (PEG) a proteínas terapêuticas. Esse processo melhora a solubilidade e a estabilidade do biofármaco, reduzindo sua degradação metabólica e resposta imunológica do organismo.

Outras modificações incluem a glicosilação e a conjugação de anticorpos a toxinas ou moléculas fluorescentes para terapia dirigida. Cada um desses processos requer condições químicas rigorosamente controladas para evitar degradação do produto.

A purificação de biofármacos envolve uma combinação de técnicas, sendo as mais utilizadas:

Cromatografia: A cromatografia líquida convencional é amplamente empregada, mas apresenta limitações, como adsorção indesejada e altos custos operacionais. Alternativamente, a cromatografia em contracorrente (CCC) permite separação eficiente sem necessidade de suporte sólido, minimizando perdas e custos.

Filtração: Utilizada para remoção de células, detritos e agregados proteicos, a filtração é uma etapa essencial na purificação de biomoléculas. Métodos como filtração tangencial e ultrafiltração permitem separação de proteínas com base no tamanho molecular, garantindo alta retenção do produto desejado.

Precipitação: Técnica utilizada para a concentração de biomoléculas e remoção de impurezas. O uso de solventes orgânicos ou sais, como sulfato de amônio, induz a precipitação seletiva das proteínas desejadas. Esse método pode ser combinado com filtração para melhorar a eficiência da purificação.

 

Produção de Vacinas

As vacinas, importantes representantes dos biofármacos, podem e são desenvolvidas por meio de diferentes tecnologias, como por exemplo, as plataformas de subunidade proteica e RNA mensageiro (mRNA). A produção destas seguem séries de passos de extrema relevância envolvendo biotecnologia industrial, os mesmo que incluem o cultivo de células hospedeiras, o isolamento dos antígenos, a purificação das substâncias ativas e a formulação final do produto. Essa metodologia deixa nítido a complexidade, controle de qualidade e inovação em alto nível presentes na fabricação de biofármacos no setor farmacêutico.

Existem alguns tipos de vacinas classificadas como atenuadas, inativadas, de subunidade e mRNA. As vacinas atenuadas são um tipo de biofármaco que utilizam vírus vivos enfraquecidos em laboratório, com capacidades de se multiplicar no organismo vacinado sem causar a doença de forma grave e severa. Além disso, podem apresentar vantagens como a resposta imune mais completa devido a capacidade de multiplicação do vírus estimulando o sistema imunológico, imunidade de longa duração, custo de produção mais baixo o que favorece campanhas de vacinação em larga escala e também pelo fato de ter uma grande importância histórica já que foram fundamentais para a eliminação de doenças como a varíola e poliomielite. Ademais, também podem apresentar certas desvantagens e riscos já que podem apresentar reações diversas e sensibilidade ao armazenamento do vírus, visto que requerem cadeia de frio eficiente para manter a viabilidade do vírus e também pelo fato do vírus poder sofrer mutações e recuperar parte de sua capacidade de provocar doenças.

As vacinas inativadas são vacinas originadas a partir de vírus que estão quimicamente inativo e podem ser considerados mortos, desta forma, são incapazes de se multiplicar no organismo, entretanto, ainda sim são constituído de antígenos suficientes para a estimulação de respostas imunológicas protetoras. Apresenta maior segurança e são amplamente utilizados, além de tudo, pode ser considerado uma base para inovação tecnológica, já que em casos como da vacina contra hepatite B, onde foi a primeira vacina produzida com técnicas de engenharia genética, onde houve uma recombinação em leveduras. As desvantagens são a resposta imune com curta duração e em menor intensidade (mais fraca), apresentam um custo maior de manutenção da imunização, um exemplo disso é a vacina influenza, a mesma que deve ser reaplicada anualmente. As vacinas de mRNA atualmente são utilizadas apenas nas vacinas contra a COVID-19, elas funcionam com o intuito de treinar o corpo humano para suportar e combater doenças infecciosas. o mRNA ou ácido ribonucleico mensageiro é um composto em suas células que copia instruções do DNA e as leva para os ribossomos, para que assim os mesmos utilizem as instruções para criar proteínas que fazem o corpo funcionar. A diferença desta vacina em relação às demais é o fato de não utilizar nenhuma parte de vírus algum, em vez disso, ela aplica “ordens” ao corpo do indivíduo para que possa fazer uma parte reconhecível do vírus. Vacinas contra gripe e a vacina contra o HPV são exemplos do que chamam de vacinas de subunidades. Essas vacinas contêm partes específicas do agente causador da doença, como proteínas ou polissacarídeos. Ao apresentar essas subunidades ao sistema imunológico, é possível desencadear uma resposta imunológica direcionada contra o patógeno.

A produção de vacinas é composta por várias fases como o cultivo, isolamento, purificação e formulação. O cultivo se resume à etapa em que os microrganismos são cultivados em meios específicos como culturas celulares, geralmente utilizada para vírus, ovos embrionados, comuns para a produção de vacinas contra gripe, fermentadores, utilizados para o crescimento da bactéria, são utilizados em vacinas contra difteria. Posteriormente, há a fase de isolamento, caracterizada por ser onde os agentes infecciosos ou seus componentes imunizantes são extraídos e é distribuída por três períodos, o primeiro será a filtração, onde acontece a separação de partículas virais ou bacterianas, após a centrifugação, marcada pela separação da densidade, e por último o tratamento químico, acontecendo a inativação do patógeno em vacinas inativadas como a poliomielite inativada. O resultado da etapa anterior passa por métodos de purificação com o intuito de remover impurezas e garantir a segurança, dentre os métodos as técnicas empregadas são cromatografia, filtração e precipitação. A substância purificada é misturada com outros componentes para gerar a vacina final, esta etapa é nomeada formulação, onde pode incluir adjuvantes para aumentar a resposta imune, estabilizantes que garantem a estabilidade como exemplo a sacarose ou até mesmo conservantes que previnem a contaminação.

Produção de Anticorpos Monoclonais

A tecnologia de hibridoma trouxe uma verdadeira revolução na medicina, permitindo o diagnóstico e tratamento de diversas doenças. Sendo desenvolvida a partir de 1970 por César Milstein e Georges Köhler, essa técnica permite a fusão de células do sistema imunológico com células de câncer para produzir anticorpos monoclonais específicos.

Para a realização desse processo são necessárias algumas etapas. Primeiramente, são coletadas células do sistema imunológico de um animal que foi exposto ao antígeno desejado. Com isso, são fundidas com células cancerígenas em laboratório, formando o hibridoma.

A formação do hibridoma envolve diversas etapas cruciais para tornar o processo eficaz. Entre elas estão: imunização, coleta de linfócitos, fusão celular, seleção, triagem.

Na imunização, deve-se imunizar um animal, geralmente um camundongo, com um antígeno específico, podendo ser uma proteína de um patógeno ou uma molécula de interesse.

Na coleta de linfócitos, faz-se a remoção do baço do animal imunizado para obter os linfócitos B, principais responsáveis pela produção de anticorpos.

Na fusão celular, os linfócitos B são misturados com células tumorais, geralmente utilizando alguns facilitadores.

Assim, parte-se para a hora da seleção, quando coloca-se as células resultantes para o cultivo permitindo apenas a sobrevivência de células híbridas, que aos poucos vão se multiplicando.

Para finalizar, os hibridomas são testados para identificar os que produzem os anticorpos desejados. Aquelas que mostram a capacidade de produzir o anticorpo são selecionadas para a expansão e armazenamento.

O resultado do hibridoma é a criação de células que combinam a propriedade de gerar anticorpos com a de se multiplicarem de forma contínua. Utilizando isso, podemos clonar e selecionar essas células a fim de produzir um anticorpo específico. Esse anticorpo é monoclonal, ou seja, deriva de uma única linha celular, tornando-o altamente específico para determinado antígeno.

Essas células, chamadas anticorpos monoclonais recombinantes, são anticorpos que funcionam por si só, sem a associação de outra terapia ou medicamentos. Eles atuam ajudando na resposta imunológica contra as células cancerígenas, se ligando a elas e agindo como um marcador para o sistema imunológico destruir ou ainda, são responsáveis por bloquear os antígenos de células cancerígenas que fazem o tumor crescer ou se espalhar.

Produzir anticorpos monoclonais em larga escala é como montar uma cadeia produtiva extremamente cuidadosa, onde tudo começa com células cultivadas em laboratório e termina com um biofármaco altamente específico, puro e eficaz, pronto para ajudar milhares de pessoas. E, por trás de cada frasco desse tipo de medicamento, existe uma ciência viva, que combina biologia, tecnologia e muito controle de qualidade.

Tudo começa com as células, geralmente células que vêm do ovário de hamster chinês. Elas são escolhidas porque se adaptam bem ao ambiente de cultivo e conseguem produzir proteínas de maneira muito parecida com as células humanas. Antes de começar a produção, essas células são modificadas para que passem a fabricar o anticorpo desejado. Uma vez preparadas, são colocadas em biorreatores, que são grandes tanques controlados com muito cuidado. Ali dentro, as células crescem, se multiplicam e começam a secretar os anticorpos no meio em que estão mergulhadas.

Esses biorreatores funcionam quase como uma estufa de produção. Temperatura, pH, oxigênio, nutrientes, precisa estar equilibrado, porque qualquer variação pode atrapalhar o rendimento. Existem diferentes formas de conduzir esse processo. A mais tradicional é a em batelada, em que tudo acontece dentro de um ciclo com início, meio e fim. Mas há também os processos contínuos, que mantêm a produção rodando sem parar, colhendo o produto aos poucos e repondo os nutrientes continuamente. Esse modelo tem ganhado espaço por ser mais eficiente e por produzir mais em menos tempo.

Depois de produzidos, os anticorpos ainda estão misturados com muitas outras substâncias do meio de cultivo, por exemplo, proteínas soltas, pedaços de células, resíduos metabólicos. E é aí que entra a purificação. O processo é feito por etapas e com bastante precisão. Uma das primeiras e mais importantes técnicas usadas é a cromatografia de afinidade. Basicamente, o anticorpo “gruda” em uma substância específica dentro de uma coluna, enquanto todo o resto passa direto e é descartado. Depois, esse anticorpo é separado da coluna e passa por outras etapas de filtragem para garantir que o produto final esteja o mais limpo possível.

Mas não basta estar puro, também é preciso saber se o anticorpo está funcionando corretamente. Por isso, após a purificação, começa a fase de caracterização. Nela, os pesquisadores avaliam se aquele anticorpo tem a estrutura esperada, se está na concentração certa, se está estável, se consegue se ligar ao alvo correto, entre outros pontos. Diversas técnicas são usadas nessa etapa, desde análises estruturais até testes funcionais. É como uma revisão completa antes de entregar o produto final.

Cada uma dessas fases; cultivo, purificação e caracterização; tem um papel essencial. É um processo longo, cheio de detalhes e exigente, mas necessário para garantir que aquele anticorpo que começou dentro de uma célula em laboratório se transforme em um tratamento de alta qualidade. No fim, é esse cuidado em cada etapa que permite transformar a biotecnologia em esperança para quem mais precisa.

Desafios e Soluções na Engenharia de Biofármacos

A engenharia de biofármacos enfrenta desafios significativos, desde a pesquisa laboratorial até a produção em escala industrial, exigindo soluções inovadoras para garantir qualidade, segurança e conformidade regulatória. O processo de escalonamento da produção, do laboratório à indústria, é uma etapa crítica que requer a adaptação de processos laboratoriais para volumes industriais sem comprometer a eficácia e segurança dos biofármacos. Essa transição envolve desafios como a manutenção da estabilidade das biomoléculas, o controle rigoroso de parâmetros críticos de processo e a necessidade de infraestrutura especializada. A implementação de abordagens como o Quality by Design (QbD) é essencial para mapear variáveis críticas e antecipar possíveis falhas antes mesmo da produção em larga escala.

O controle de qualidade e a validação de processos são fundamentais para garantir a segurança e eficácia dos biofármacos. A aplicação de metodologias avançadas, como análise de risco, monitoramento em tempo real e o uso de inteligência artificial para otimização de processos, vem se tornando cada vez mais comuns. O conceito de QbD permite que a qualidade seja incorporada desde as fases iniciais do desenvolvimento, reduzindo a necessidade de retrabalho e desperdício de insumos. A rastreabilidade e a robustez dos dados obtidos ao longo do processo garantem um ciclo produtivo confiável e alinhado às exigências regulatórias internacionais.

As regulamentações e boas práticas de fabricação (GMP) desempenham um papel central na produção de biofármacos, assegurando que todas as etapas, desde a matéria-prima até o produto final, estejam em conformidade com padrões rigorosos de segurança e eficácia. No Brasil, a evolução das normas regulatórias e a harmonização com padrões internacionais vêm sendo impulsionadas pelo fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). Investimentos estratégicos na indústria biofarmacêutica são essenciais para reduzir a dependência de insumos importados e fomentar a produção local de medicamentos essenciais. A criação de políticas públicas voltadas para a inovação e a industrialização da saúde tem sido debatida em fóruns e seminários setoriais, como o XV Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), onde especialistas destacam a importância de uma política industrial de longo prazo para consolidar o Brasil como um polo de biotecnologia.

Além disso, o uso da inteligência artificial na inovação em saúde tem contribuído para a aceleração da pesquisa e desenvolvimento de biofármacos. Modelos computacionais são utilizados para prever interações moleculares, otimizar testes clínicos e aprimorar a regulação dos produtos biotecnológicos. O fortalecimento da propriedade intelectual e o investimento em infraestrutura são fatores críticos para o avanço do setor, garantindo que as inovações geradas no país possam ser protegidas e exploradas economicamente de forma competitiva. Para que esse cenário se concretize, é necessário um alinhamento estratégico entre governo, indústria e instituições de pesquisa, promovendo uma agenda integrada que contemple desde incentivos financeiros até a formação de uma força de trabalho altamente qualificada.

Dessa forma, a engenharia de biofármacos enfrenta desafios complexos, mas a adoção de soluções tecnológicas e regulatórias inovadoras pode garantir um desenvolvimento sustentável do setor. O fortalecimento das políticas industriais, a modernização das regulamentações e a incorporação de novas tecnologias na produção são passos fundamentais para posicionar o Brasil como um protagonista global na produção de biofármacos.

Inovações Tecnológicas

  • Uso de bioprocessos contínuos versus processos em batelada.
  • Aplicação de inteligência artificial e modelagem computacional.
  • Perspectivas futuras na produção de biofármacos.

A produção de biofármacos tem passado por transformações significativas, impulsionadas por inovações tecnológicas que buscam tornar os processos mais eficientes, precisos e sustentáveis. Entre essas inovações, destacam-se a transição dos processos em batelada para bioprocessos contínuos, a aplicação de inteligência artificial (IA) e modelagem computacional, além das perspectivas futuras que essas tecnologias trazem para o setor.

Historicamente, a produção de biofármacos utilizava predominantemente processos em batelada, nos quais todos os componentes são adicionados ao biorreator no início, e o produto é coletado ao final do ciclo. Embora esse método seja bem estabelecido, ele apresenta desafios como variações entre lotes e eficiência limitada.

Em contraste, os bioprocessos contínuos têm ganhado destaque. Nessa abordagem, os insumos são adicionados e os produtos removidos de forma contínua, permitindo um controle mais preciso das condições de cultivo. Isso resulta em maior consistência, aumento da produtividade e melhor utilização dos nutrientes, além de reduzir desperdícios e minimizar riscos de contaminação.

A integração da inteligência artificial na biotecnologia tem revolucionado a descoberta e o desenvolvimento de biofármacos. Modelos de aprendizado de máquina, como redes neurais, são empregados para analisar vastas quantidades de dados biológicos, identificando padrões e prevendo interações entre moléculas e proteínas de interesse terapêutico. Essa abordagem acelera o desenvolvimento de novos medicamentos e reduz custos associados.

Além disso, a modelagem computacional permite simular processos biológicos complexos, auxiliando no planejamento de experimentos e na interpretação de resultados. A combinação de IA com modelagem computacional otimiza desde a identificação de alvos terapêuticos até o design de moléculas com potencial farmacêutico, tornando o processo mais eficiente e preciso. Olhando para o futuro, várias tendências emergem na produção de biofármacos:

  • Medicina Personalizada: A capacidade de produzir biofármacos adaptados ao perfil genético de cada paciente está se tornando uma realidade, permitindo tratamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais.
  • Sustentabilidade: A adoção de processos biotecnológicos que utilizam matérias-primas renováveis e reduzem o impacto ambiental está alinhada com a crescente demanda por práticas sustentáveis na indústria farmacêutica.
  • Integração de Tecnologias Digitais: A convergência entre biotecnologia e tecnologias digitais, como sensores avançados e sistemas de automação, aprimora o monitoramento e o controle dos processos de produção, resultando em maior eficiência e qualidade dos produtos finais.

Essas inovações apontam para um cenário em que a produção de biofármacos será mais eficiente, personalizada e sustentável, beneficiando a saúde global de maneira significativa.

 

Impacto Social e Econômico

A produção e distribuição de vacinas e anticorpos possuem o envolvimento tanto na área da saúde pública quanto na economia em um contexto geral. No ano de 2018, o mercado farmacêutico mundial apresentou um faturamento de USD 864 bilhões, sendo USD 30,5 bilhões referentes à venda de vacinas, além disso, informações do mercado apontam que o segmento de vacinas nas últimas décadas, deixou nítido uma taxa de crescimento duas vezes maior do que a do resto da indústria farmacêutica. Entretanto, pesquisas demonstram que este ritmo teve uma desaceleração nos últimos anos, porém, a expectativa é de que atinja um faturamento de aproximadamente USD 37 bilhões em 2027. No entanto, esse funcionamento apresenta diferenças, já que países de alta renda, que representam apenas 20% do volume de doses adquiridas, concentram 82% das receitas, enquanto nações de baixa e média renda dependem de organismos como UNICEF e OPAS para acesso e preços viáveis.

A concentração industrial e a lógica de mercado são dois pontos que impactam diretamente na acessibilidade e distribuição de vacinas, visto que, vacinas inovadoras como a pneumocócica 10-valente (conjugada) e a influenza trivalente (fragmentada, inativada) aparecem no ranking dos cincos maiores faturamentos do setor do Brasil, cada uma com receitas superiores a BRL 500 milhões, assim como mostra a imagem a seguir.

 

Figura 3: Aquisições do Programa Nacional de Imunizações (PNI) (2018) – doses adquiridas x dispêndio total x preço médio por dose.

 

No contexto global, a OPAS e o UNICEF atuam como intermediários críticos, negociando preços reduzidos para países em desenvolvimento. No Brasil, o PNI aliviou desigualdades ao implantar tecnologias avançadas, como a vacina contra a meningite C conjugada, produzida localmente via transferência de tecnologia.

A Engenharia Química tem o papel crucial no avanço de desafios tecnológicos, desde a geração de antígenos até a fabricação e produção em larga escala. Avanços como vacinas baseadas em mosaicos genéticos e novas terapias para doenças como HIV e hepatite B, demandam técnicas cada vez mais elaboradas para a purificar, estabilizar e encapsular biomoléculas. Durante a pandemia de H1N1 em 2009, a capacidade de adaptação em processos produtivos permitiu ao instituto Butantan ampliar a fabricação de vacinas influenza, assim, reduzindo o impacto causado pela crise.

A colaboração entre indústria, centros de pesquisa e governos é indispensável para o equilíbrio da inovação e acesso. No Brasil, laboratórios públicos como Bio-Manguinhos (Fiocruz) e Instituto Butantan estabeleceram parcerias com gigantes como GSK (GlaxoSmithKline) e Sanofi para transferência de tecnologia, permitindo a produção local de vacinas como a da hepatite B e da tríplice viral.

Conclusão

A engenharia química desempenha um papel fundamental na produção de biofármacos, desde a concepção em laboratório até a fabricação em escala industrial. A complexidade dessas moléculas, que se diferenciam significativamente dos fármacos tradicionais devido à sua estrutura biológica avançada, exige processos altamente controlados para garantir segurança, eficácia e viabilidade econômica. Tecnologias inovadoras, como o uso de engenharia genética e bioprocessos, possibilitaram o desenvolvimento de anticorpos monoclonais e vacinas altamente específicas, expandindo o alcance da biotecnologia na medicina moderna.

A aplicação de processos biotecnológicos na purificação de biofármacos é um dos principais desafios da área, uma vez que pode representar até 80% dos custos de produção. Estratégias como cromatografia em contracorrente e PEGuilação são cruciais para otimizar a purificação, aumentar a estabilidade e reduzir a imunogenicidade dos produtos. Da mesma forma, a fabricação de vacinas e anticorpos monoclonais exige processos rigorosos, desde o cultivo celular até a formulação final, assegurando que o produto atenda aos mais altos padrões regulatórios e terapêuticos.

Os avanços na engenharia de biofármacos também incluem a transição para bioprocessos contínuos, que oferecem maior eficiência em comparação com os métodos tradicionais em batelada. Além disso, a incorporação da inteligência artificial na modelagem computacional e no controle de qualidade acelera a pesquisa e o desenvolvimento desses medicamentos, tornando-os mais acessíveis e personalizados. No contexto socioeconômico, a crescente demanda por biofármacos reflete seu impacto na saúde pública global. Apesar do alto custo de desenvolvimento, a produção local e parcerias estratégicas entre instituições públicas e privadas têm ampliado o acesso a esses medicamentos.

No Brasil, iniciativas como a transferência de tecnologia para instituições como Bio-Manguinhos e Instituto Butantan demonstram o potencial do país em fortalecer sua indústria biofarmacêutica e reduzir a dependência de importações. Nesse cenário, é fundamental que políticas públicas e investimentos continuem a impulsionar a inovação e a produção nacional de biofármacos. O progresso das tecnologias, aliado a uma abordagem regulatória moderna e integrada, pode posicionar o Brasil como um ator global na biotecnologia aplicada à saúde. Assim, a engenharia química continua sendo essencial para transformar conhecimento científico em soluções terapêuticas eficazes, promovendo melhorias na qualidade de vida e impulsionando o desenvolvimento sustentável da indústria farmacêutica.

 

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