Data centers são instalações projetadas para abrigar servidores, sistemas de armazenamento e equipamentos de rede que processam, armazenam e distribuem dados. Apesar de a “nuvem” parecer intangível, ela depende de infraestrutura física que consome energia (para alimentar servidores) e recursos para refrigeração (cooling). A demanda por capacidade de processamento, que é impulsionada por serviços em nuvem e aplicações de inteligência artificial, vem expandindo investimentos em grandes complexos de data centers globalmente e no Brasil.
Modelos de refrigeração e por que a água importa
Os servidores geram calor e precisam ser resfriados continuamente. Existem modelos de refrigeração:
- Resfriamento a ar (mais comum em climas amenos e quando a arquitetura permite): ar externo entra e é usado para troca de calor.
- Sistemas por água (evaporativos, chillers, circuitos fechados): mais eficientes termicamente em muitos cenários, mas podem consumir grandes volumes de água.
- Soluções híbridas e inovações (recirculação, água de reúso etc)
A norma internacional ISO/IEC 30134-9 quantifica o uso de água em data centers e recomenda métricas como o WUE (Water Usage Effectiveness) para monitoramento. Em regiões onde a água é escassa, a escolha da tecnologia de refrigeração é determinante para a sustentabilidade do projeto.
Impactos ambientais
Escassez hídrica e sensibilidade regional
O Nordeste brasileiro, e especificamente partes do Ceará, têm climatologia semiárida e histórico de estiagens periódicas. A instalação de grandes consumidores de água em áreas afetadas por seca pode agravar conflitos por uso múltiplo (abastecimento humano, agricultura, ecossistemas). Vários projetos recentes suscitaram debate público sobre a adequação desses investimentos em regiões de risco hídrico.
Exemplos e números relevantes
- Projetos em Caucaia (Ceará) revelaram previsões de consumo da ordem de dezenas de milhares de litros por dia, reportagens apontaram valores como, aproximadamente, 30.000 L/dia em alguns pedidos de licenciamento. Além disso, houve notícias de autorizações que aumentaram o volume outorgado em relação ao previsto inicialmente. Esses casos geraram reação de movimentos sociais, ONG’s e pedidos de fiscalização.
- Em nível nacional, existem estudos e posicionamentos divergentes: associações do setor argumentam que o consumo hídrico relativo dos data centers é pequeno se comparado ao setor industrial como um todo, mas críticos ressaltam que a localização, e não apenas a quantidade absoluta, determina impactos locais significativos.
Impactos econômicos
Geração de investimento e empregos qualificados
A chegada de data centers costuma vir acompanhada de investimentos diretos (infraestrutura, construção) e indiretos (cadeia de fornecedores, logística, serviços profissionais). Governos estaduais e municípios frequentemente promovem incentivos para atrair esses projetos com a promessa de modernização digital e geração de empregos especializados. Exemplos recentes no Ceará mostram anúncios públicos de investimentos bilionários e inaugurações que destacam ganhos econômicos e posicionamento estratégico digital.
Riscos econômicos e de governança
- Externalidades negativas locais: quando a água subterrânea é usada por poços profundos para abastecer data centers, comunidades agrícolas e abastecimento urbano podem enfrentar pressões sobre o recurso.
- Substituição de usos tradicionais: investimentos que consomem insumos escassos podem deslocar atividades econômicas locais, alterando perfis de emprego e renda.
- Dependência e risco fiscal: regimes de incentivo mal calibrados podem transferir risco para o setor público sem garantias de benefícios duradouros.
Movimentos sociais e organismos de controle têm solicitado maior transparência e condicionantes nos licenciamentos para assegurar que benefícios econômicos não se sobreponham à segurança hídrica e social.
Casos relevantes no Nordeste
- Projeto no Ceará
Várias notícias relataram a instalação de um grande data center na região de Caucaia/Pecém, com negociações envolvendo empresas internacionais e parcerias locais. Houve discussão sobre outorgas de água, fontes de abastecimento e possíveis aumentos autorizados no consumo, o que suscitou críticas de ONG’s e veículos investigativos. A complexidade do caso mostra a importância do licenciamento ambiental rigoroso e da participação social.
- Pecém e a estratégia portuária/energética
Pecém, por sua infraestrutura portuária e acesso a cabos submarinos e energia renovável, tem sido apontado como polo atraente para data centers. Governos locais têm anunciado medidas complementares, como estações de tratamento e oferta de água de reúso, na tentativa de mitigar impactos. Ainda assim, técnicos e especialistas apontam que soluções como dessalinização e reúso têm custo e impacto próprios e requerem planejamento integrado.
Governança, licenciamento e participação social
As decisões sobre onde instalar um data center devem considerar:
- Estudos de impacto ambiental com avaliação hídrica local e alternativas de
- Medidas
- Transparência sobre consumo esperado e fontes de água (poços, reúso, dessalinização).
- Consulta e diálogo com comunidades afetadas e órgãos públicos (saúde, agricultura, recursos hídricos).
Casos recentes mostraram controvérsias quando autorizações foram concedidas com base em autodeclarações ou sem participação social adequada.
Mitigação e boas práticas
Para reduzir o risco ambiental e social, recomenda-se combinar medidas técnicas, regulatórias e institucionais:
- Técnicas e operacionais
- Priorizar arquiteturas que reduzam o uso direto de água
- Uso de água de reúso e dessalinização quando apropriado e sustentável.
- Implementar métricas e metas públicas
- Regulatórias e de planejamento
- Condicionar licenças à prova de disponibilidade hídrica e alternativa (ex.: contrato de compra de água de reúso).
- Exigir estudos comparativos de alternativas de siting (locação) e tecnologias de refrigeração.
- Monitoramento independente do consumo e penalidades por
- Sociais e econômicas
- Programas de capacitação local para aproveitar empregos
- Compartilhamento de infraestruturas que possam trazer benefícios diretos à população (ex.: estações de tratamento que atendam também áreas urbanas).
Vários especialistas e relatórios internacionais ressaltam que, embora a digitalização seja estratégica, sua expansão precisa andar lado a lado com planejamento hídrico e energético local para evitar externalidades graves.
Conclusão
A instalação de data centers no Nordeste brasileiro traz oportunidades econômicas relevantes, atração de investimentos, empregos qualificados e fortalecimento da infraestrutura digital. Contudo, quando ocorre em regiões com vulnerabilidade hídrica, como partes do Ceará, impõe riscos ambientais e sociais consideráveis ligados ao consumo de água e à pressão sobre mananciais locais. A chave para conciliar desenvolvimento e sustentabilidade passa por licenciamento rigoroso, transparência no consumo hídrico, priorização tecnológica por baixo uso de água, alternativas de abastecimento (reúso, dessalinização) e ampla participação social.
Se não forem adotadas práticas e regras adequadas, movimentos sociais e decisões judiciais podem frear projetos, como já ocorreu em outros países, ou gerar conflitos locais, anulando parte dos potenciais benefícios econômicos. Portanto, políticas públicas integradas e condicionantes claras são essenciais para que o crescimento do setor digital no Nordeste seja realmente sustentável.