Uso de fluidodinâmica computacional (CFD) em colunas de destilação

A destilação é uma das técnicas mais antigas e importantes da engenharia química.  Através dela é possível separar misturas em diversos setores, como na produção de etanol, na indústria química e na petroquímica. Estima-se que até 95% das operações de separação utilizem destilação, processo que também representa cerca de 80% do consumo energético desses sistemas.

Diante desse cenário, há um esforço contínuo em tornar a destilação mais eficiente e sustentável, reduzindo custos e impactos ambientais. Uma das ferramentas que vêm ganhando espaço nesse contexto é a Fluidodinâmica Computacional (CFD – Computational Fluid Dynamics).

Essa abordagem permite simular, em ambiente virtual, fenômenos como escoamento, transferência de calor e de massa dentro das colunas de destilação, auxiliando diretamente na análise e otimização do processo. Para isso, utiliza softwares avançados baseados em equações da termodinâmica, mecânica dos fluidos e cinética química.

ORIGEM DO CFD

A Dinâmica dos Fluidos Computacional (CFD – Computational Fluid Dynamics) surgiu da convergência entre fundamentos experimentais desenvolvidos no século XVII, principalmente na França e na Inglaterra, e os avanços teóricos em dinâmica dos fluidos dos séculos XVIII e XIX.

Ao longo do século XX, os estudos nessa área eram conduzidos de forma isolada, ora apenas experimental, ora apenas teórica. Foi somente a partir da década de 1960 que essas abordagens passaram a ser empregadas de forma conjunta. Nesse mesmo período, o avanço da computação, com maior velocidade de processamento e novos algoritmos numéricos, possibilitou o desenvolvimento do CFD como conhecemos hoje.

É importante destacar que o CFD não substitui a teoria nem a experimentação: ele atua como ferramenta complementar, auxiliando na interpretação e análise dos resultados relacionados ao comportamento dos fluidos.

CFD NA ENGENHARIA QUÍMICA

Como CFD analisa sistemas envolvendo fluxo de fluidos, transferência de calor e fenômenos associados, ela está diretamente ligada às operações unitárias da Engenharia Química. Como por exemplo, em:

  • Escoamento em canais e tubos – usado no estudo de trocadores de calor e tubulações de processos.
  • Convecção e condução de calor – base para compreender o funcionamento de reatores e colunas de destilação.
  • Escoamento multifásico – essencial em colunas de destilação e em processos de absorção (quando um componente passa do gás para o líquido) e stripping (quando um componente do líquido é removido por um gás de arraste).
  • Problemas de difusão e absorção – associados à transferência de massa em operações de separação.
  • Simulação de turbulência – importante para avaliar o desempenho de misturadores e agitadores industriais.

EXEMPLO PRÁTICO

Um caso real foi simulado em parceria com a empresa AçoPlast, referente a um problema ocorrido durante a partida de uma planta da CP Kelco Brasil.

O desafio consistia num sistema em que uma coluna de destilação que processava uma mistura etanol/água, equipada com 36 pratos do tipo bubble cap, não conseguia atingir a vazão necessária de 50 m³/h. Antes disso, ela simplesmente “afogava” — um fenômeno conhecido como inundação (flooding), que impedia a operação e limitava a produção.

Configuração da simulação

Para a simulação, foi criada uma malha com refinamento na região de borbulhamento, considerando misturas líquido–gás de água/etanol e aplicando o modelo de turbulência Shear Stress Transport (SST) em ambas as fases.
As condições de contorno foram:

  • Pressão relativa zero na saída de vapor.
  • 4000 kPa na saída de líquido, referente à coluna de líquido no downcomer (canal que conduz o líquido de um prato para o prato imediatamente abaixo).
  • Condição de não deslizamento nas paredes.

Para garantir estabilidade numérica, o prato foi dividido em duas regiões: uma preenchida com líquido até a altura do vertedouro e outra ocupada por vapor. As configurações adotadas seguiram as condições experimentais de Solari e Bell (1986).

Resultados e validação

A simulação permitiu “enxergar” o que acontecia dentro da coluna em pleno funcionamento. Foi possível visualizar claramente a formação de uma camada de espuma estável sobre o prato, um comportamento esperado.

No entanto, o modelo revelou o ponto crítico: um arrasto excessivo de líquido era levado para o downcomer (o canal que desce o líquido para o prato inferior). A simulação mostrou um acúmulo de líquido aerado nessa região, comprovando visualmente a causa do problema.

Conclusão do estudo de caso

Esses fenômenos simulados estão de acordo com o comportamento hidrodinâmico esperado em pratos de destilação e confirmam o problema real de inundação. O campo de fração volumétrica de líquido mostrou claramente o acúmulo excessivo no downcomer, indicando que sua capacidade de escoamento era insuficiente para a vazão de alimentação — caracterizando o flooding.

Tendo tudo isso em vista, é possível ver que o uso da Fluidodinâmica Computacional (CFD) em colunas de destilação já trouxe avanços significativos. Com essa ferramenta, é possível prever parâmetros operacionais como queda de pressão e eficiência de transferência de massa, além de visualizar fenômenos internos dificilmente acessíveis apenas por experimentos, como os perfis de velocidade e a altura da espuma. Isso torna o CFD uma alternativa poderosa para reduzir custos com testes em escala piloto e para apoiar o desenvolvimento de novas correlações e melhorias no projeto de pratos e recheios.

Ainda assim, as simulações apresentam limitações. Muitos modelos dependem de correlações externas e simplificações, o que pode gerar discrepâncias em relação ao comportamento real da coluna. Além disso, sistemas mais complexos, como pratos de válvula com partes móveis, continuam sendo um desafio para a modelagem numérica. Todas essas questões mostram que a CFD ainda é uma tecnologia em desenvolvimento, um universo que está apenas começando a ser explorado, prometendo revolucionar ainda mais a engenharia desses processos.

Apesar desses obstáculos, o CFD vem evoluindo rapidamente. O crescimento da capacidade computacional, aliado a técnicas como inteligência artificial, modelos multifísicos e gêmeos digitais (digital twins), abre caminho para que, no futuro, simulações mais completas e realistas se tornem rotina na indústria química.

Assim, o CFD deve ser visto não como substituto dos experimentos, mas como um aliado cada vez mais indispensável no projeto, otimização e diagnóstico de colunas de destilação.

Autoria: Ana Cecília Silva, Janaína Ribeiro Cecilio e Luiz Felipe Costa, integrantes da Equipe EnsinEQ do AIChE Brasília.

https://www.instagram.com/aichebrasilia/

Referências

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