Atualmente, um dos grandes desafios globais enfrentados é a geração contínua de efluentes industriais. Esses efluentes, sejam resíduos líquidos ou gasosos, são descartados a partir de atividades industriais, podendo conter diversos tipos de poluentes bastante prejudiciais como: metais pesados, óleos, substâncias orgânicas, produtos químicos, entre outros contaminante e, quando descartados de forma inadequada apresentam problemas à saúde pública e impactos ambientais em grande escala.
1. Introdução
As indústrias que mais geram efluentes industriais são: a têxtil com a produção de tecido e roupas que consomem grandes quantidades de água e produtos químicos, resultando em efluentes com alta carga poluente. Ainda, processos como refino de petróleo, produção de alimentos, bebidas, papel e celulose e medicamentos são grandes causadores e responsáveis pela grande geração de efluentes industriais.
No Brasil, grande parte das atividades agroindustriais desenvolvidas têm como limitação à produção a geração de resíduos e de efluentes. Um exemplo que retrata isto é o fato de que apenas 6% do conteúdo de uma cereja de café colhida transforma-se em bebida, portanto, dentro da Cafeicultura no Brasil, com produções estimadas na safra 2005/2006, girando em torno de 40,6 milhões de sacas (IBGE, 2006), observa-se uma expressiva liberação de resíduos sólidos e líquidos, o que representa um impacto ambiental significativo.
Diante deste cenário, uma grande alternativa estratégica muito eficiente e atraente é a restauração de energia a partir de efluentes liberados. A energia é essencial para a vida moderna, e o seu consumo crescente tem acentuado o desequilíbrio ambiental. Nesse contexto, fontes alternativas renováveis de energia, como o biogás, proveniente da digestão anaeróbia de resíduos orgânicos, surgem como soluções promissoras, já que além de reduzir os impactos ambientais reduzindo a quantidade de efluentes descartados de forma inadequada, o biogás pode colaborar significativamente com a oferta energética nacional e global, promovendo desenvolvimento com menor custo ambiental.
Com a obtenção a partir de um processo biológico, o biogás origina-se da decomposição de matéria orgânica em meio anaeróbico (ausência de oxigênio). Este processo é muito comum na natureza e ocorre constantemente em pântanos, fundos de lagos, esterqueiras e no rúmen de animais ruminantes.
Figura 1.1 – Esquema da decomposição anaeróbica. Fonte: [4]
O biogás é composto principalmente de metano (50% a 75% em volume) e dióxido de carbono (25% a 50% em volume), o mesmo ainda pode conter algumas mínimas quantidades de hidrogênio, sulfeto de hidrogênio, amônia e outros gases.
Desta forma, considerando o potencial energético dos resíduos industriais e os benefícios associados ao tratamento adequado e bem direcionado dos mesmos, resultando no reaproveitamento dos efluentes, este estudo irá ter o intuíto de dedicar a investigação da viabilidade da produção de biogás a partir de efluentes industriais. A proposta central é analisar como esse processo pode contribuir tanto para a mitigação dos impactos ambientais gerados pelo descarte inadequado de resíduos, quanto para o fortalecimento de alternativas energéticas renováveis, sustentáveis e economicamente viáveis no contexto brasileiro.
2. Busca por fontes renováveis no contexto atual
Em um cenário de aumento constante dos preços da energia a nível global e preocupações ambientais e climáticas, a necessidade de buscar alternativas mais sustentáveis e limpas se torna crucial. A recuperação de energia a partir de resíduos orgânicos e fluxos de resíduos é uma forma cada vez mais atraente. O biogás, por ser uma fonte de energia renovável que pode ser armazenada, destaca-se nesse contexto. Sua produção está diretamente relacionada ao aproveitamento de efluentes industriais e resíduos orgânicos, o que não apenas contribui para a mitigação de impactos ambientais, mas também fomenta o desenvolvimento rural e fortalece pequenas e médias empresas.
Essa urgência na busca por alternativas sustentáveis se intensifica diante da dependência mundial de fontes fósseis, como petróleo, carvão mineral e gás natural, que ainda dominam a matriz energética global. Além de altamente poluentes, essas fontes são não renováveis e tendem à escassez, o que compromete a segurança energética de diversos países no futuro próximo. Outro fato preocupante, ainda dentro deste mesmo contexto, é o impacto ambiental associado ao uso intensivo dessas fontes. A queima de combustíveis fósseis é uma das principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, intensificando o aquecimento global e agravando os efeitos das mudanças climáticas.
Diante desse panorama, torna-se evidente a necessidade de uma transição energética urgente, que envolva não apenas a substituição de fontes poluentes, mas também o incentivo a soluções limpas, como o Biogás. Ao permitir o aproveitamento de resíduos orgânicos para a geração de energia, o biogás representa uma alternativa renovável e estratégica, capaz de contribuir para a sustentabilidade ambiental, a segurança energética e o desenvolvimento socioeconômico local. Além de ambientalmente viável, a produção de biogás apresenta vantagens técnicas e econômicas que favorecem sua adoção em diferentes escalas, desde pequenas propriedades rurais até indústrias de maior porte. Sua capacidade de transformar resíduos em um recurso energético valioso reforça seu papel na construção de uma matriz energética mais diversificada, resiliente e alinhada com os princípios da economia circular.
3. Digestão anaeróbia como solução inovadora
A digestão anaeróbia (DA) se destaca como uma tecnologia inovadora e sustentável, oferecendo uma solução multifacetada tanto para a gestão de resíduos orgânicos quanto para a produção de energia renovável. Esse processo biológico, que ocorre na ausência de oxigênio, é capaz de converter a matéria orgânica em biogás – um gás rico em metano – e em digestato, um subproduto que tem potencial como fertilizante. Sua natureza inovadora reside na capacidade de atenuar os impactos ambientais dos resíduos orgânicos ao mesmo tempo em que gera um recurso energético valioso (Weiland, 2010).
Além de ser uma solução ambientalmente correta, a digestão anaeróbia representa uma abordagem economicamente viável para a gestão de resíduos, transformando passivos ambientais em ativos energéticos e agronômicos. A crescente demanda por fontes de energia limpa e a necessidade urgente de reduzir a pegada de carbono global posicionam a DA como uma tecnologia-chave para a transição energética e o desenvolvimento de uma economia circular.
3.1 A Digestão Anaeróbia como Fonte de Energia Renovável
A capacidade da digestão anaeróbia de produzir biogás a qualifica como uma importante fonte de energia renovável. Após passar por um processo de purificação para remover impurezas como dióxido de carbono e sulfeto de hidrogênio , o biogás pode ser utilizado de diversas formas, ampliando seu valor e aplicabilidade:
- Geração de eletricidade e calor: Pode ser queimado em motogeradores ou turbinas para produzir energia elétrica e térmica, suprindo as necessidades energéticas de indústrias e comunidades, ou ainda ser injetado na rede elétrica. Isso permite que empresas e municípios se tornem mais autossuficientes energeticamente, reduzindo custos operacionais e a dependência de combustíveis fósseis.
- Combustível veicular (biometano): O biogás purificado, conhecido como biometano, possui características similares ao gás natural. Ele pode ser empregado como combustível em veículos adaptados, contribuindo para a redução da dependência de combustíveis fósseis e a diminuição das emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes, um dos maiores emissores de poluentes.
- Injeção em redes de gás natural: Em algumas localidades, é possível injetar o biometano diretamente nas redes de gás natural existentes, aumentando a participação de energia renovável no fornecimento de gás. Isso não apenas diversifica a matriz energética, mas também aproveita a infraestrutura já existente, facilitando a integração de energias limpas.
Essas aplicações não apenas oferecem uma alternativa limpa aos combustíveis fósseis, mas também promovem uma economia mais circular, transformando o que antes era um problema (resíduos) em uma solução energética. A valorização energética dos resíduos através da DA contribui diretamente para os objetivos de desenvolvimento sustentável, como o acesso à energia limpa e acessível, e a produção e consumo responsáveis.
3.2 Efluentes Industriais como Matéria-Prima: Benefícios e Potencial
Um dos aspectos mais promissores da digestão anaeróbia é sua capacidade de processar uma vasta gama de efluentes industriais como matéria-prima (Lü et al., 2016). Setores como o alimentício, de bebidas, papel e celulose, e o agronegócio geram grandes volumes de efluentes com alta carga orgânica (Deublein & Steinhauser, 2011). Historicamente, o tratamento desses efluentes tem gerado custos consideráveis e produzido lodos que exigem descarte adequado. A aplicação da DA a esses resíduos traz múltiplos benefícios, transformando desafios em oportunidades:
- Redução da carga orgânica: O tratamento anaeróbio é altamente eficaz na remoção da matéria orgânica presente nos efluentes. Isso resulta em um efluente final com menor demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e demanda química de oxigênio (DQO), facilitando seu descarte ou tratamentos subsequentes. É importante ressaltar que a presença de amônia em certas concentrações pode inibir o processo, exigindo otimização das condições operacionais (Chen et al., 2008).
- Geração de receita com biogás: O tratamento dos efluentes deixa de ser apenas um custo e se torna uma oportunidade para a geração de biogás, que pode ser consumido pela própria indústria ou comercializado, criando uma nova fonte de receita e melhorando a sustentabilidade econômica da operação.
- Minimização de lodo de esgoto: Em comparação com as tecnologias aeróbias, a digestão anaeróbia gera uma quantidade significativamente menor de lodo residual. Isso resulta em menores custos e desafios associados ao seu manuseio, transporte e descarte final, um benefício ambiental e financeiro considerável.
- Sustentabilidade ambiental: Ao tratar efluentes no local e produzir energia renovável, as indústrias podem diminuir sua pegada de carbono, demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade e cumprir regulamentações ambientais mais rigorosas, reforçando sua imagem corporativa e responsabilidade social.
- Produção de fertilizante (digestato): O digestato, que é o subproduto líquido ou sólido do processo de DA, é rico em nutrientes essenciais como nitrogênio, fósforo e potássio. Ele pode ser empregado como biofertilizante na agricultura, fechando o ciclo de nutrientes e diminuindo a necessidade de fertilizantes sintéticos, o que contribui para a saúde do solo e a redução da poluição por excesso de químicos.
Portanto, a utilização de efluentes industriais na digestão anaeróbia representa uma estratégia vantajosa e completa, onde a gestão eficiente de resíduos se harmoniza com a produção de energia limpa e a promoção de práticas industriais mais sustentáveis e rentáveis. A DA não é apenas uma tecnologia de tratamento, mas um pilar para a bioeconomia e a transição para um futuro mais verde.
4. Fases da digestão anaeróbia (Heron Heizi)
O processo de digestão anaeróbia é bastante complexo que requer condições anaeróbias e é dependente de microrganismos para a transformação de matéria orgânica em dióxido de carbono e metano. Esse processo é comumente dividido em quatro fases: hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese. Cada uma dessas etapas é realizada por diferentes grupos de microrganismos, e necessitam de diferentes condições.
4.1 Hidrólise
Essa etapa degrada os compostos de maior massa molecular como os lipídios, polissacarídeos e proteínas em substâncias mais simples e solúveis. Essa etapa só é possível pela ação de enzimas excretadas pelas bactérias hidrolíticas. A importância da hidrólise na velocidade em que a degradação do composto ocorre depende das características do substrato envolvido. Se a matéria orgânica presente for muito complexa e de difícil degradação, a hidrólise terá grande importância na velocidade global da degradação, em casos até de ser considerada como etapa limitante da velocidade da digestão anaeróbia. A duração dessa etapa varia de acordo com a substância a ser decomposta, em caso de carboidratos, algumas horas e para moléculas mais complexas como as proteínas e lipídios, alguns dias. Substâncias como a lignocelulose e lignina dependem de mais tempo para serem completamente hidrolisadas.
4.2 Acidogênese
As substâncias quebradas na fase da hidrólise são transformados em monômeros que servem de substratos para diferentes bactérias anaeróbias e facultativas, que serão degradados na fase acidogênica a ácidos orgânicos de cadeia curta, moléculas que contém de 1 a 5 carbonos (ácidos acético, butírico e propiônico), álcoois, sulfeto de hidrogênio, óxidos de nitrogênio, hidrogênio e dióxido de carbono. A pressão parcial de hidrogênio afeta diretamente o estado de oxidação dos produtos. Se estiver muito alta, resultará em produtos com uma maior quantidade de carbono.
Nesse processo, os carboidratos são degradados em piruvato que é convertido em ácido lático por Lactobacillales e em etanol pela ação de leveduras. Os ácidos graxos são principalmente degradados pela Acetobacter por β-oxidação. Sendo assim, esses devem ser ligados a coenzima A e a oxidação ocorre através da liberação sequencial de duas unidades de carbono em forma de acetato. Por outro lado, os aminoácidos são degradados em pares pelo Clostridium Botulinum por meio da reação de Stickland. Essa reação permite a formação de acetato, amônia, dióxido de carbono e sulfeto de hidrogênio.
4.3 Acetogênese
Conhecida como a terceira etapa do processo de digestão anaeróbia, uma etapa considerada crucial ao processo, essa fase é dependente de um grupo específico de bactérias denominadas acetogênicas. Reações acetogênicas são consideradas endotérmicas (reação que absorve calor do meio), por exemplo a produção de ácido acético (acetato) a partir de gás hidrogênio (H₂) e dióxido de carbono (CO₂) por bactérias acetogênicas.
As bactérias acetogênicas estabelecem relação de sintrofia com as arqueas metanogênicas e as bactérias homoacetogênicas. Nessa etapa os ácidos de cadeia longa são transformados em ácidos com um ou dois átomos de carbono, denominados fórmico e acético, com a produção simultânea de hidrogênio e dióxido de carbono. Os microrganismos homoacetogênicos ministram o equilíbrio da direção da reação de consumo de hidrogênio e gás carbônico para produzir acetato. Para que a reação de formação de ácidos de cadeia curta seja favorável, deve ocorrer associada ao consumo de hidrogênio gasoso pelas arqueas metanogênicas.A interação sintrófica entre micro-organismos de diferentes grupos funcionalmente complementares favorece o crescimento conjunto, assegurando a produção eficiente de acetato a partir de ácidos orgânicos.
4.4 Metanogênese
Esta é a etapa final que ocorre em condições estritamente anaeróbias. Assim, o carbono contido na biomassa se converte em dióxido de carbono e metano pela ação das arqueas metanogênicas. As reações que ocorrem na metanogênese são consideradas exotérmicas.
As arqueias metanogênicas são classificadas com base em suas vias metabólicas em dois principais grupos: acetoclásticas e hidrogenotróficas. As acetoclásticas, como Methanosarcina, convertem acetato em metano, enquanto as hidrogenotróficas, como Methanobacterium e Methanospirillum, utilizam hidrogênio e dióxido de carbono para produzir metano. Ambas as reações apresentam caráter exotérmico.
5. Biorreatores e suas características
O modelo de biorreatores ou biodigestores são a peça fundamental de um sistema de tratamento anaeróbio, então é de extrema importância que o projeto seja adequado ao tipo de substrato a ser tratado, nível de investimento e condições ambientais do processo. Portanto, para se escolher o sistema mais adequado possível, é necessário conhecer os principais tipos de biodigestores e as características que os englobam, como o tipo do sistema de alimentação, a temperatura do reator, o número de fases e o sistema de agitação.
5.1 Biodigestor de Lagoa Coberta (BLC)
O biodigestor de lagoa coberta é considerado de baixo nível tecnológico, com facilidade de construção e operação. Ele é, em suma, um tanque escavado no solo, impermeabilizado e coberto por material geossintético, capaz de armazenar biogás. Uma de suas principais características é a ausência de sistemas de aquecimento e agitação. Isso implica que a temperatura da biomassa dentro do biodigestor varia de acordo com a temperatura ambiente, o que pode afetar a capacidade de geração de biogás, especialmente em regiões com invernos rigorosos.
A falta de agitação e de um sistema de remoção prévia de sólidos leva ao acúmulo de lodo no fundo do tanque, o que exige descarte periódico e pode ser dificultado pelo design do biodigestor. O acúmulo de sólidos fixos pode assorear o biodigestor, diminuindo o Tempo de Retenção Hidráulica (TRH) e, consequentemente, a eficiência do processo. Portanto, é recomendada a separação de sólidos antes da entrada no BLC para evitar esse problema.
Com base no que foi apresentado sobre o BLC, pode-se concluir que ele é o mais adequado para o tratamento de efluentes com baixa concentração de sólidos e uma baixa carga orgânica volumétrica (COV).
5.2 Biodigestor tipo UASB
O biodigestor UASB, sigla para Upflow Anaerobic Sludge Blanket, é caracterizado pelo fluxo ascendente do afluente através de uma manta de lodo até um separador trifásico no topo. Esse design permite uma alta capacidade de retenção de biomassa, o que se traduz em um baixo TRH, geralmente entre 4 e 72 horas.
Esse tipo de reator se destaca pela sua estabilidade diante de variações nas características do efluente e pela capacidade de suportar uma alta carga orgânica volumétrica. Eles são particularmente eficazes quando a matéria orgânica no substrato está solubilizada, porém, por questões hidrodinâmicas, o afluente deve ter uma baixa concentração de sólidos totais (<2%). Portanto, no caso de tratamento de efluentes da produção animal, pode ser necessário um pré-tratamento para remoção de sólidos.
Conclui-se então que os biodigestores UASB são uma solução eficiente para o tratamento de efluentes com baixa concentração de sólidos e alta carga orgânica solúvel, oferecendo um processo estável e compacto.
5.3 Biodigestor CSTR
O Biodigestor CSTR, do inglês Continuous Stirred Tank Reactor, é projetado para suportar elevadas cargas orgânicas volumétricas. Ele é principalmente caracterizado pela homogeneização constante do conteúdo por meio de um sistema de agitação, o que faz essa configuração de biodigestor ser a mais utilizada em plantas de biogás, especialmente em processos de codigestão e quando há concentrações elevadas de sólidos.
Em reatores desse tipo, o TRH e o TRS (tempo de retenção de sólidos) são considerados iguais, pois assume-se que não há acúmulo de lodo. O TRH mínimo geralmente varia entre 15 e 20 dias, dependendo do tipo de substrato. Biodigestores CSTR sem recirculação de lodo são particularmente adequados para efluentes com altas concentrações de sólidos.
A presença de um sistema de agitação, apesar de elevar os custos, é fundamental para o processo, já que ela melhora a transferência de calor, mantém os sólidos em suspensão, o que otimiza o contato entre a matéria orgânica e microrganismos, ajuda a eliminar crostas e facilita a liberação do biogás do lodo. A manutenção da temperatura através de sistemas de aquecimento também é crucial, garantindo maior produção de biogás e estabilidade do reator.
Então, pode-se inferir que o biodigestor CSTR é especialmente adequado para a produção de biogás em casos de substratos complexos e codigestão, exigindo sistemas de agitação e aquecimento bem dimensionados e operados.
5.4 Biodigestor em Fase Sólida (Dry digestion)
A alta concentração de sólidos nesses biodigestores impacta diretamente o volume necessário para o reator; eles exigem menor volume em comparação com os outros. No entanto, essa característica demanda o uso de bombas para a recirculação do lixiviado. Devido à baixa concentração de água em sistemas de digestão em fase sólida, são necessários biodigestores com menor volume em comparação com as outras tecnologias estudadas. No entanto, essa característica demanda o uso de bombas para a recirculação do lixiviado.
O tempo de digestão em um sistema de fase sólida varia entre 2 a 4 semanas. Uma vantagem notável é a alta concentração de metano no biogás produzido, que atinge aproximadamente 80%. Apesar disso, a produtividade é de 15% a 40% menor em comparação com a via úmida.
Concluindo, os biodigestores em fase sólida são uma solução eficiente para resíduos com alto teor de sólidos, oferecendo um menor volume de reator e um biogás com alta concentração de metano, apesar de uma produtividade geral menor e operação em batelada.
6. Implantação desta nova matriz energética e seus impactos globais (Piai)
A implementação da tecnologia de biogás representa um avanço estratégico na gestão de resíduos e na transição para uma matriz energética mais sustentável. O processo central é a digestão anaeróbia, uma decomposição biológica de matéria orgânica que, na ausência de oxigênio e pela ação de diversos microrganismos, gera biogás (composto majoritariamente por metano e dióxido de carbono) e digestato.
6.1. Implantação da Tecnologia de Biogás
A viabilidade técnica da biodigestão é demonstrada pela sua adaptabilidade a diferentes tipos de substratos e reatores. Sistemas que processam substratos bombeáveis, com até 12-15% de matéria seca (MS), podem operar com elevadas cargas orgânicas volumétricas, variando de 1 a 4 kgSV.m⁻³.d⁻¹, e são caracterizados pela homogeneização contínua. Há também opções para substratos empilháveis, com 20% a 40% de MS, comuns em operações em batelada. Além disso, biodigestores de lagoa coberta, de baixo custo e fácil operação, utilizam tanques escavados e impermeabilizados, embora exijam um tempo de retenção hidráulica (TRH) mais elevado.
6.2. Parâmetros Operacionais e Controle
Para garantir a eficiência e a estabilidade do processo de biodigestão, o controle rigoroso de diversos parâmetros é essencial. A temperatura influencia diretamente o metabolismo microbiano, sendo as faixas mesofílicas (37-42°C) as mais estáveis, e as termofílicas (50-60°C) as de maior taxa de decomposição, mas mais sensíveis a distúrbios. O pH ideal para as arqueias metanogênicas situa-se entre 6,7 e 7,5, e a alcalinidade serve como um indicador crucial da capacidade de tamponamento do sistema. A proporção entre carbono e nitrogênio é crítica, idealmente entre 10:1 e 30:1, com a relação C:N:P:S no reator sendo de aproximadamente 600:15:5:3 para otimizar a atividade microbiana. A presença de elementos como cobalto (Co), níquel (Ni), molibdênio (Mo) e selênio (Se) também se mostra fundamental para as arqueias metanogênicas, prevenindo distúrbios e quedas na produção de gás.
6.3. Impactos Globais do Biogás
6.3.1. Mitigação de Gases de Efeito Estufa (GEE)
Em termos ambientais, a produção de biogás é crucial para a mitigação dos Gases de Efeito Estufa (GEE), notavelmente ao capturar metano (CH₄), um potente GEE com potencial de aquecimento global 28 vezes superior ao CO₂, que de outra forma seria liberado para a atmosfera. A biodigestão de dejetos animais, por exemplo, é uma estratégia-chave no Plano ABC brasileiro para a redução de GEE e demonstra um balanço ambiental superior ao armazenamento convencional de esterco. Além disso, o digestato, subproduto rico em nitrogênio, fósforo e potássio, atua como biofertilizante, promovendo o sequestro de CO₂ atmosférico no solo e contribuindo para a redução de emissões de óxido nitroso (N₂O).
6.3.2. Manejo de Nutrientes e Fertilidade do Solo
O digestato, um biofertilizante rico em N, P e K, é crucial para a sustentabilidade do processo. A digestão anaeróbia preserva integralmente os nutrientes e os torna mais solúveis, aumentando sua fito disponibilidade para as plantas. A relação C/N no biofertilizante se torna menor, passando de cerca de 10:1 para aproximadamente 5-6:1 em esterco líquido, o que favorece a adubação. Essa reciclagem pode substituir eficientemente fertilizantes minerais, reduzindo custos e impactos ambientais. Contudo, é vital a análise laboratorial do fertilizante e o cuidado para evitar aplicação excessiva, que pode causar perda de nutrientes e impactos ambientais.
6.3.3. Controle da Poluição Ambiental
A tecnologia do biogás também desempenha um papel crucial no controle de outros poluentes, sendo as usinas projetadas para evitar a contaminação de águas superficiais e subterrâneas por efluentes e resíduos, exigindo que todas as estruturas de armazenamento, tubulações e bombas sejam impermeáveis a líquidos.
6.3.4. Aspectos Econômicos e Sustentabilidade
A viabilidade econômica de um projeto de biogás é um fator decisivo, com receitas provenientes da venda de energia elétrica, calor e biogás tratado. Embora os custos do substrato possam chegar a 50% dos custos totais, a cogeração (produção simultânea de eletricidade e calor) é a forma mais eficiente de aproveitamento energético, com eficiências totais entre 80% e 90%. A otimização da usina busca maximizar o tempo de operação em carga total para garantir a maior eficiência elétrica. Adicionalmente, a produção distribuída de biogás pode fomentar o desenvolvimento de regiões rurais e fortalecer pequenas e médias empresas, além de proporcionar uma renda estável.
Em suma, a tecnologia do biogás representa um avanço significativo na busca por uma matriz energética mais sustentável e resiliente. Ao mitigar eficazmente os Gases de Efeito Estufa, otimizar o manejo de resíduos e nutrientes, e proporcionar uma fonte de energia descentralizada e economicamente viável, o biogás desempenha um papel fundamental nos esforços globais por um futuro mais verde.
Referências
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